sexta-feira, 21 de junho de 2013

Cromatopoiese

Ontem à tarde, fiz um pequeno desenho a cores, com tempera. Um sol enorme, que venho pintando há muitos anos, um campo verdejante do lado esquerdo, também um motivo repetido, embora as cores mudem. E, do lado direito, uma casinha de telhado vermelho, com uma porta e uma janela. Na frente do sol, um caminho de terra. O céu azul. Já faz tempo que venho pintando o desenhando com uma atitude diferente da que tive durante muito tempo. Agora, não me preocupa muito estar criando algo novo, e, sim, o ato de estar ali, em meio às cores, ou perto delas. Perto das aquarelas e pincéis, dos lápis e papéis. Na hora de pintar ou desenhar, vem como em avalanche, muitos desenhos de outros tempos. Ontem, veio o de uma árvore que desenhei, que vi em uma praça de Buenos Aires, em 1969. Os quadros, o pintar e o desenhar, são evocações. A vida fica suspensa. O poético retém o irrepetível, e, assim, adentra-se na eternidade, num tempo parado. Isto ocorre com os poemas e com a literatura, também. Nos instalam em um tempo detido. Um tempo que permanece além de todas as mudanças e que, no entanto, somente se nos torna evidente quando estamos atentos ao irrepetível. Quando via o sol do quadrinho de ontem pensava: talvez esse sol tenha sido o que eu vim pintar. Talvez este sol seja o que me ilumina por dentro e por fora. Um quadro repetido durante muitos anos, nunca é um quadro igual. No de ontem, por exemplo, faltou um álamo que costumava pintar do lado direito, perto da casa, e se recortando contra o sol. Mas ele estava alí, de todas formas. Estava não estando. Estava por ausência, na evocação.