sábado, 4 de janeiro de 2014

Lugares

Creio que todos necessitamos de um lugar. Isto, não no sentido físico corrente, de uma casa, um quarto, etc, e sim, naquele outro sentido, não menos válido, do poeta, do artista. Um lugar, neste caso, é algo que, embora também seja físico, tem uma outra qualidade, que poderíamos chamar de espiritual. Refiro-me ao lugar que somos capazes de habitar com nosso ser inteiro. O lugar que podemos vir a ter dentro de nós mesmos e no mundo. São lugares pessoais e sociais.

Agora, em particular, gostaria de me referir àquele lugar que nos pertence enquanto seres de cultura, pessoas que somos capazes de criar o belo, e dele nos alimentar. O lado poético da existência. E não adianta alguém dizer que poesia é para os poetas. Poesia é para quem tem sensibilidade para a beleza. E isto quase todo mundo tem, ou deveria ter.

Quando sou capaz de me situar nesse lugar, estou bem, estou em paz. Esse lugar, para mim, é o livro, é a página impressa ou a página escrita à mão. E são também as cores, as telas, os papéis para pintar. São também lugares sociais, lugares nas redes, nas tramas relacionais. Tudo está unido. Meu lugar pessoal, foi construído em relação com outras pessoas, meu lugar contém todos os passos da minha caminhada.

Meu lugar específico, dizia, é uma tela. Um papel telado. Pode ser a tela onde pinto, ou a folha onde escrevo. Esse tecido, é o tecido do universo, são os fios da criação, que se estendem em todas as direções, e pelos quais tudo está integrado. Quando pinto ou quando escrevo, as pinturas que pintei e os textos que escrevi, fazem parte dessa estrutura, desse tecido universal.

E eu enquanto autor dessas figuras ou linhas, enquanto alguém que colhe ou costura os fios dessa estrutura real que conforma tudo que existe, vou me fazendo e me desfazendo ao escrever e ao pintar. Isto não me impede de ter, como todo mundo, as dores que permeiam as vidas particulares de cada ser humano. As nossas vidas estão também tecidas, e muito frequentemente, por dores com as quais temos que conviver.

Lembro de um lavrador de uma comunidade quilombola em Gurugi, Paraíba, que em uma reunião de Terapia Comunitária Integrativa, disse que ele ia trabalhar com as suas dores. E dizia isto sorrindo. As dores não nos impedem de trabalhar, de fazer o que quer que tenhamos que fazer. Vamos com elas. Mas o fato de estarmos conscientes do nosso pertencimento à trama da vida, ao tecido que nos contém e nos perfaz, dá uma sensação muito consoladora, nos conforta e nos da forças.

Podemos ver o nosso ser e estar aqui agora, como uma continuação de toda a nossa caminhada existencial. Todo o nosso ontem e este agora, ficam sendo uma coisa só. Às vezes nos amedronta o desconhecido, tememos não dar conta do que possa estar nos esperando nos dias que virão. Mas a sensação de sermos parte do tecido total da existência, nos faz saber, caladamente, que tudo correrá bem. Não importa o que quer que venha a ocorrer, saberemos enfrentar, como no passado.

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