segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Dispensando

Eu não necessito estar pensando o tempo todo. Posso pensar, mas também posso não pensar, dispensar toda essa sobrecarga valorativa, explicativa, justificadora, que se impõe sobre o que está aqui, e me separa do que está aqui, do ser que eu sou, do fluxo da vida que flui, constantemente.

Hoje de manhã percebi isto, e senti uma profunda paz. Havia um silêncio muito notável e agradável. Percebi que isto ocorria porque eu não estava pensando. O pensamento cria problemas, é o refúgio do medo, do preconceito, das preocupações, me separa do mundo e de mim mesmo.

A vida não é para ser pensada, é para ser vivida. No túmulo de Karl Marx, está escrito: até agora os filósofos se ocuparam de interpretar o mundo: é necessário transformá-lo. Há um pensamento libertador, que é quase um dispensamento, um não-pensamento, um silêncio muito grande e envolvente, que traz paz e quietude.

Quando penso em Julio Cortázar, ou em Paulo Freire, vem uma paz muito grande. Não foram teóricos, técnicos da palavra. Não contribuiram para entulhar a mente das pessoas com mais e mais interpretações, mais e mais jaulas conceituais. Ao contrário, abriram espaços de fluidez, espaços por onde a vida pode chegar, brechas para o viver. Creio que podemos ter a possibilidade de pensar ou não pensar. Mas existe um automatismo, uma espécie de mecanismo que funciona mesmo sem a concordância da nossa vontade, e que começa a funcionar no começo do dia, e não para. É o pensar que separa, o pensar que rouba o presente.

Mas depende de nós se nos deixarmos ou não roubar o presente. Posso dispensar essa cortina invisível mas muito poderosa que se sobrepõe a este instante, que me faz crer que não gosto de alguém ou que tenho medo de alguma coisa. Este pensar me rouba o presente, porque é uma continuação de um passado, e não de um passado feliz, mas de um passado pesado, penoso e triste, condenatório e culposo.

Eu não preciso perder a vida por conta das preocupações, das culpas, do medo. Posso viver. Tenho essa chance. Depende de mim. Posso dar a mim mesmo essa possibilidade, de simplesmente estar aqui, de simplesmente me integrar no fluxo da vida. Creio que isto deva ser o que Jesus dizia quando nos exortava para que fossemos como crianças. Criança flui, criança é celebração, criança é vida, e vida nova, renovada a toda hora.

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