segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Um dia

Estavas na frente da folha. Tanta coisa a registrar. As folhas como que te envolvendo. E você, vendo o mundo a se descortinar dentro do seu coração. Um dia inteiro a desfilar pela tua mente. Ou muitos dias, tantos dias. Hoje, o velório de Dona Marieta, o enterro. O cemitério, as ruas arborizadas da cidade dos mortos. A família dispersa reunida. Os amigos do grupo cristão te acompanhando, acompanhando a despedida de uma trabalhadora incansável, alguém que decidiu que queria aprender a ler e escrever, depois de ter criado oito filhos. O tempo parecia ter-se detido. Parecias ter perdido a noção do tempo. Era Dona Marieta ou era Gita, tua mãe, ou era Mamina ou era abuelita Oliva? Não sabias. Eram todas as mães. A canção do violão embalava o instante em que o irmão pronunciava as palavras rituais, sentidas, de coração. As palavras da filha tão amorosa, a se despedir também da mãe. As flores. Tua família argentina e a família paraibana. Família consanguínea e família por afinidade. O sol se punha no horizonte da cidade. Um dia que parecera ter pulado para fora do calendário. Que dia seria, que dia é este, de verdade? Um dia fora do tempo. Recordavas as ruas do cemitério da Boa Sentença, e as falas das pessoas queridas do grupo cristão. Tua família mais de dentro, sem excluir a outra família, as outras famílias. Tudo é uma família. Recordavas as flores, os rostos. As colegas da universidade. Tantos rostos. Tantas palavras diante do indescifrável, a morte. O dia iria terminar em algum momento. Mais adiante, ainda não. Segura na mão de Deus.

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