quinta-feira, 19 de março de 2015

Podemos nos tornar meios

Posso falar palavras que não são minhas, mas que aprendi a dizer. Posso agir não como eu agiria, mas como aprendi a agir. Então sou um meio. Algo age por mim. Algo age a través de mim. Normas, costumes, hábitos. Posso pensar pensamentos que não são meus. Então sou um meio também. Algo pensa a través de mim. Não sou eu que penso. Algo pensa a través de mim. Posso ter sentimentos que aprendi a ter, mas que não são meus. Eu posso viver de maneiras que aprendi, mas que não são minhas. Ando como me ensinaram a andar. Falo, penso, sinto, ajo, de maneiras que não são minhas. A rigor, não vivo a minha vida. Algo vive por mim. Eu sou um meio. Posso ter-me tornado um meio. E acredito que muitos de nós sequer sabe disto: somos meios, e nem nos damos conta. Os meios tem muito a ver com isto. Os meios são os instrumentos do esvaziamento do ser, o esvaziamento da pessoa, a alienação. Aprendemos a nos tornar um meio, um ser para os outros, mas não para nós mesmos. Desta forma, a vida se torna um meio de vida. Vivo para que algo que não sou eu, viva a través de mim. Em algum momento isto pode gerar uma crise. Algo em mim pode dizer chega. E esse algo que não suporta mais a alienação, é o meu próprio ser: a parte minha que sobreviveu à domesticação. Então poso ir começando a me ter de volta. Posso ir me tendo de volta aos poucos. Posso perceber que eu estou aqui e tenho o direito de existir.

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